“FILME DE DITADURA” DE NOVO? CHAMAR ‘O AGENTE SECRETO’ DISSO É PREGUIÇA INTELECTUAL OU APENAS PÁLIDA PIRRAÇA

Uma análise profunda sobre por que o novo filme de Kleber Mendonça Filho, estrelado por Wagner Moura, transcende o rótulo fácil. Reduzir a obra a “mais um filme sobre o período militar” é ignorar a camada mais brilhante do roteiro: a do apagamento da memória e da cultura.

Se você entrar em qualquer debate online sobre “O Agente Secreto”, o candidato brasileiro ao Oscar, é quase certo que encontrará, em menos de trinta segundos, o comentário fatigado: “Ah, não. Mais um filme de ditadura?”. É um rótulo pregado de forma automática, quase como um reflexo condicionado, a uma parcela significativa (e corajosa) do cinema nacional. Mas aqui está o ponto nevrálgico que muitos parecem ignorar, seja por desconhecimento ou pura má vontade: O Agente Secreto não é um “filme de ditadura”. E afirmar isso, como sugere a crítica do Omelete, é, no mínimo, pirraça.

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Vamos dissecar isso. O que define um “filme de ditadura”? É a simples presença de militares, de um presidente de queixo duro em um quadro na parede, ou daquela atmosfera opressiva e paranoica típica dos anos de chumbo? Se for, então “O Agente Secreto” se encaixa superficialmente. Mas é aí que mora o brilhantismo (e a armadilha) do roteiro de Kleber Mendonça Filho.

Ao contrário de “Ainda Estou Aqui”, o drama visceral de Walter Salles sobre a família de Eunice Paiva, que é didático e universal em sua denúncia dos crimes do período, “O Agente Secreto” joga um jogo diferente. O filme, protagonizado por um Wagner Moura tenso, é um thriller político, um filme de suspense. O termo “Ditadura Militar” nunca é pronunciado. É uma ausência ensurdecedora. A opressão não vem de uma farda óbvia; ela é sentida na perseguição velada, no comportamento das instituições, na figura de um delegado que idolatra a estética de guerra americana, na ameaça que vem do Sul sem nunca se nomear.

O filme é sobre memória, cultura e o apagamento deliberado de ambas. A ditadura não é o tema, é o pano de fundo. É o ambiente tóxico que permite que a história principal – a do personagem de Moura, Marcelo, e sua investigação – respire e se desenvolva. O filme é muito mais sobre a cultura nordestina, sobre o legado de figuras como Sebastiana e seus “refugiados”, do que sobre os generais em Brasília. O fato de que a internet ainda assim o rotula como “filme de ditadura” é, ironicamente, a maior prova do ponto do filme: a opressão daquele período foi tão eficaz em se entranhar na sociedade que sua sombra basta para definir tudo o que ela toca.

Reduzir “O Agente Secreto” a isso é parte de um preconceito histórico. É o mesmo discurso que simplifica todo o cinema brasileiro a “favela, ditadura ou comédia”. É fascinante como o público abraça “Oppenheimer”, “Dunkirk” ou “Zona de Interesse” sem jamais chamá-los de “filme de Segunda Guerra”. São vistos como thrillers, dramas de tribunal, estudos de personagem. Por que o cinema americano pode usar a Guerra do Vietnã ou a Segunda Guerra como cenário para heroísmo, ação e drama complexo, enquanto o cinema brasileiro, ao ousar tocar em sua própria história, é imediatamente colocado na caixa do panfleto?

Essa “pirraça”, como define o artigo, é um sintoma do sucesso da própria máquina de apagamento histórico que o filme critica. É mais fácil desmerecer a obra do que confrontar o fato de que, sim, a ditadura moldou o Brasil como o conhecemos, e seus ecos estão presentes até hoje. É impossível entender “Cidade de Deus” sem entender a política urbanística dos anos 60. Da mesma forma, é impossível dissociar a paranoia de “O Agente Secreto” do período em que ele se passa. Mas isso não faz dele apenas isso. É um thriller, uma história de suspense, e uma obra riquíssima que merece ser debatida para além do rótulo preguiçoso.


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